quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

O que pensar de tantos pensamentos?

Por Jânsen Leiros Jr.

Revisado e ampliado em 18/04/2024


“Não havendo sábia direção, toda a nação é arruinada; o que a pode restaurar é o conselho de muitos sábios."
Provérbios 11:14 - KJA

 “O caminho do insensato é reto aos seus olhos; mas o que dá ouvidos ao conselho é sábio."
Provérbios 12:15 - JFA

“A arrogância só produz contendas, mas a sabedoria está com aqueles que buscam conselho."
Provérbios 13:10 - KJA

“Onde não há conselho, frustram-se os projetos; mas com a multidão de conselheiros se estabelecem."
Provérbios 15:22 - JFA

“quem parte para a guerra necessita de orientação estratégica, pois com muitos conselhos se conquista a vitória!"
Provérbios 24:6 - KJA

“Mais vale um jovem pobre e sábio do que um rei ancião e insensato, que em sua arrogância já não aceita mais conselhos."
Eclesiastes 4:13 - KJA

Se conselho fosse bom ninguém dava; vendia, diz a sabedoria popular. E o interessante é que esse adágio[1] serve tanto para aqueles que desejam aconselhar, quanto àqueles que não querem conselho algum. O primeiro o utiliza como introdução ao conselho que pretende dar, quase que pedindo desculpas por se intrometer na vida alheia. Mas o segundo o faz com menos cuidado, às vezes até rispidamente, intimidando o pretenso conselheiro. Principalmente se esse conselho sugerir o contrário do que se pretende. Afinal, é comum aceitarmos de bom grado os conselhos que confirmam nossas inclinações. O contrário, contudo, é bem mais difícil.

Nossa reflexão não pretende concentrar-se no conselheiro. Nem no conselho propriamente dito. Nosso alvo aqui é o hábito de tomar conselhos, de se enriquecer com o máximo de informações e percepções sobre um assunto antes de uma decisão ou posicionamento requerido. Ora, se é verdade que na multidão dos conselhos habita a sabedoria[2], nada mais natural e preferível, que buscar conselhos, ideias e opiniões, antes de qualquer juízo. Mas qual é a conexão entre tomar conselho e o exercício de pensar no que pensamos, ou de pensar no que cremos, ambos tema de nosso último texto aqui no Pensadoria?

Uma das características mais marcantes da filosofia é o seu método. No esforço incansável de buscar respostas para suas questões, chegar a uma resposta definitiva é menos importante que o próprio processo de buscá-la. Sim, pois é exatamente no exercício da investigação, que arde a chama inextinguível do labor filosófico. Isso ocorre em grande medida porque a filosofia não trabalha com verdades absolutas ou acabadas, pois suas afirmações surgem de diferentes e variadas contribuições e experiências, sempre pretendendo-se à universalidade das pertinências e aplicabilidades.

Desse modo, e não havendo por princípio uma verdade absoluta a que alguém possa chegar por observação particular, a investigação de certas questões sempre estará à mercê de sucessivos exercícios reciclagem elucubrativa, alternando os assuntos nos laboratórios da mente, conforme as circunstâncias históricas e sociais que demandem melhores conclusões, posicionamentos ou orientação do pensamento e do senso comum.

Esse perfil da atividade filosófica é milenar. Nas escolas filosóficas da antiguidade, os alunos eram sempre estimulados por seus mestres a buscar entendimentos outros, quer contrários ou divergentes. Em vez de ensinar apenas uma única e absoluta conclusão, os mestres instruíam os discípulos pelo caminho do pensamento só até um determinado ponto. Daí adiante incentivava-os à autonomia de raciocínio, para que fossem experimentados na arte da investigação, suspeitas e conclusões, a partir da problematização proposta. Assim, eram estimulados a discordar e a criticar as conclusões de seus mestres, trazendo novas perspectivas, concepções e possibilidades, contribuindo sempre para compreensões mais assertivas, aceitáveis e satisfatórias.

Ora, no mundo das ideias[3], o lugar no tempo não limita e muito menos impede o debate entre os pensadores de diferentes momentos da história universal. Quer contrariando, quer corroborando, pensadores se sucedem na tarefa de trazer às suas ágoras[4] contemporâneas, questões que serão discutidas livremente por diversos filósofos, quer estejam ou apenas se façam presentes por intermédio de suas obras, registros ou tradição oral que lhes sejam atribuídas. Temos assim uma verdadeira academia do pensamento[5], onde a sociedade pode se aconselhar com as contribuições acumuladas desde eras remotas, mas que nem por isso inadequadas ou caducas pelo tempo.

Os conselhos a que me refiro são contrapostos, criticados, discutidos e comentados. Quer aceitos na íntegra ou em partes, ou mesmo rejeitados por completo, todos inexoravelmente servirão de parâmetros que orientarão o pensamento humano pela história, em suas demandas por conhecimento e direcionamento existencial. A cada fase da história, novos membros se juntarão a essa academia do pensamento, enriquecendo todo e qualquer debate e contribuindo para visões cada vez mais adequadas à contemporaneidade do debate mais recente.

Não obstante a costumeira demonização da atividade pensante no que se refere à investigação das razões de nossa fé, penso mesmo que na multidão dos conselhos habita a sabedoria. Ou seja, quanto mais rodeado de conselhos, quanto mais enriquecido pela atividade do pensamento humano, quer para confirmá-lo, quer para rejeitá-lo, tanto mais consistentes será minha argumentação e conclusão, uma vez que fruto de conclusão robusta, não oriunda de uma mímica conveniente e oportuna qualquer, mas nascida de atividade responsável e diligente; a renovação do nosso entendimento, para entendermos a boa, agradável e perfeita vontade de Deus[6].

A essa altura, muitos já devem ter torcido o nariz. Mas haverá até quem rasgue as próprias vestes. Porque o questionamento, bem como a confrontação de ideias e visões de mundo, são, em tese, os melhores e mais bem-sucedidos métodos de aprofundamento do conhecimento, qualquer que seja a disciplina ou ciência na qual esteja inserido. Inclusive na teologia. Ou não foi assim que avançou a revelação de Deus ao longo da história da humanidade, mais particularmente na história de Israel?

O questionamento das tradições judaicas, bem como a confrontação dos costumes religiosos de escribas e fariseus, estão espalhados por todo o relato dos Evangelhos. As ideias convenientemente elaboradas e firmadas sobre o que era religiosidade da época, davam àquela elite religiosa uma confortável condição de destaque, concedendo prestígio e acumulando-lhes vantagens oportunas. Mas Jesus lhes questionava a pertinência dos hábitos e a natureza das intenções. Ele confrontava repetidamente tanto a superficialidade de seus ritos, quanto a realidade maliciosa de suas pretensões. Não foi sem motivo que esses profissionais da religião e aproveitadores da boa fé do povo, foram chamados, sem hesitação, de hipócritas[7] e de sepulcros caiados[8], dado o fingimento com que se apresentavam como piedosos e probos religiosos.

Paulo não agiu muito diferente do Senhor. Toda sua teologia, em flagrante construção ao longo de suas viagens e traduzidas em suas cartas, é fruto do questionamento e da confrontação. O embate colocava frente a frente tudo o que até então se acreditava, e aquilo que se revelava verdadeiro diante de seus sentidos, à medida que sua experiência de vida regenerada lhe promovia novas percepções sobre a relação de Deus com a humanidade, em Cristo e pelo Espírito. Confrontando ideias e questionando a si mesmo, aquele zeloso judeu que consentiu na morte de Estevão por alegada blasfêmia, e empreendeu viagem para prender e julgar os seguidores de Jesus, tornou-se o principal expoente de pregação da salvação, sendo o principal evangelizador entre os gentios, povo de extenso sincretismo e ideias sobre o divino.

Ora, é preciso sair do casulo. Abrir os olhos. Tomar conselho com a vida e suas potencialidades. Rasgar as receitas de existências pré-moldadas e se lançar às experiências enriquecedoras que a relação com Deus e com as pessoas que nos cercam são capazes de produzir. Precisamos correr o risco do inédito. Prestar um culto racional pela transformação da nossa mente. Sim, é na mente que são produzidas as ideias. É na mente que se armazena o entendimento. Se é verdade que não cremos por entendemos, é por entendermos que sustentamos e enriquecemos nossa relação com Deus e somos renovados em nossas inclinações e conduta.

 “Um homem sábio é poderoso, e quem possui entendimento potencializa sua força;"

Provérbios 24:5 - KJA

Portanto, reitero o convite. Leia, ouça, assista, debata, pergunte e questione. Leia incessantemente sua Bíblia e abra espaço para outras literaturas. Ouça louvores e adore a Deus com inteireza de coração, mas não deixe de ouvir poesia e cantar a vida em verso e prosa. Assista na TV seus programas prediletos e não perca a oportunidade de analisá-los, comentá-los e fazer juízo deles; a ficção ajuda a debater o mundo real.

O que entende e conhece, ensine; o que não compreende, questione. Se ainda não sabe, pergunte. Se não ouviu, peça pra repetir. Examinai tudo[9], diria Paulo, e tudo é tudo. Retenhamos o que é bom. Mas como reter se não examinar? Mente vazia, diria minha avó, é oficina... dele. Você sabe quem.



[1] Um adágio é um provérbio, uma expressão curta que transmite um conselho ou uma lição moral de forma concisa e memorável. Geralmente, os adágios são baseados na sabedoria popular e são transmitidos oralmente de geração em geração. Eles são frequentemente usados para expressar verdades universais sobre a vida, comportamento humano, ética, entre outros temas.

[2] Provérbios 11:14

[3] O "mundo das ideias" é um conceito filosófico atribuído a Platão, um dos mais influentes filósofos da Antiga Grécia. Segundo Platão, o mundo das ideias, ou mundo das formas, é um reino transcendental e eterno, onde residem as formas perfeitas e imutáveis de todas as coisas que percebemos no mundo sensível.

No mundo das ideias, as coisas não são percebidas pelos sentidos ou pela experiência sensorial, mas são compreendidas pela mente racional. Para Platão, as coisas no mundo sensível são apenas cópias imperfeitas das formas ideais que existem no mundo das ideias. Por exemplo, um objeto físico como uma mesa no mundo sensível é uma cópia imperfeita da forma ideal de "mesa" que existe no mundo das ideias.

Platão acreditava que o conhecimento verdadeiro só poderia ser alcançado por meio da contemplação das formas ideais, através do intelecto, e não pela observação empírica do mundo físico. Essa distinção entre o mundo das ideias e o mundo sensível é fundamental na filosofia platônica e teve um grande impacto no desenvolvimento da filosofia ocidental.

 

[4] Uma "ágora" era uma praça pública na Grécia Antiga, frequentemente localizada no centro das cidades, onde os cidadãos se reuniam para realizar atividades políticas, comerciais, sociais e culturais. Era um espaço fundamental na vida das cidades-estado gregas, como Atenas.

Na ágora, os cidadãos discutiam assuntos políticos, participavam de assembleias, votavam em questões importantes, faziam negócios, assistiam a apresentações teatrais e participavam de eventos religiosos. Era o centro da vida pública e da democracia direta grega, onde os cidadãos podiam expressar suas opiniões e influenciar as decisões da cidade.

O termo "ágora" também é usado metaforicamente para se referir a qualquer espaço de encontro público ou debate, onde as pessoas se reúnem para discutir questões importantes ou participar de atividades comunitárias.

[5] Uma "academia do pensamento" é uma expressão que geralmente se refere a um ambiente intelectual onde ocorrem debates, discussões e reflexões sobre uma variedade de temas, muitas vezes de natureza filosófica, científica, cultural ou política.

Essas "academias" podem assumir diferentes formas e contextos. Em um sentido mais amplo, uma academia do pensamento pode ser uma universidade, instituto de pesquisa, centro de estudos, ou até mesmo um grupo informal de pessoas que se reúnem para discutir ideias.

[6] Romanos 12:2

[7] Jesus chama os fariseus de hipócritas em várias passagens nos Evangelhos. Aqui estão algumas referências:

1.       Mateus 23:13: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque fechais aos homens o reino dos céus; e nem vós entrais nem deixais entrar aos que estão entrando."

2.       Mateus 23:14: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que devorais as casas das viúvas, sob pretexto de prolongadas orações; por isso sofrereis mais rigoroso juízo."

3.       Mateus 23:15: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós."

4.       Mateus 23:23: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e tendes omitido o que há de mais importante na lei, a saber, a justiça, a misericórdia e a fé; estas coisas, porém, devíeis fazer, sem omitir aquelas."

5.       Mateus 23:25: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de iniqüidade."

6.       Mateus 23:27-28: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia. Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade."

 

[8] Mateus 23:27-28

[9] 1 Tessalonicenses 5:21

2 comentários:

  1. Muito bom Jansen!
    Estava pensando a respeito disso esses dias... E esta frase resumiu exatamente o que eu estava sentindo: É na multidão dos conselhos que habita a sabedoria!
    Como tomar uma posição, sem conhecer as demais possibilidades e os caminhos do pensamento?
    Parabéns!

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    1. Oi Julliana!! Que alegria saber de você. E maior alegria ainda vendo seu comentário. É um incentivo e tanto, e sendo de amigo vale por dois...
      É isso, aconselhar-se é um excelente exercício. Melhor ainda é ter 'bons' conselheiros. Que dentre tantos e bons conselhos, Deus seja o seu maior e melhor conselheiro.
      Obrigado pelo carinho.
      Um forte abraço...

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