Por Jânsen Leiros Jr.
Revisado
e ampliado em 18/04/2024
Se conselho fosse bom ninguém
dava;
vendia, diz a sabedoria popular. E o interessante é que esse adágio[1]
serve tanto para aqueles que desejam aconselhar, quanto àqueles que não querem conselho
algum. O primeiro o utiliza como introdução ao conselho que pretende dar, quase
que pedindo desculpas por se intrometer na vida alheia. Mas o segundo o faz com
menos cuidado, às vezes até rispidamente, intimidando o pretenso conselheiro. Principalmente
se esse conselho sugerir o contrário do que se pretende. Afinal, é comum aceitarmos
de bom grado os conselhos que confirmam nossas inclinações. O contrário,
contudo, é bem mais difícil.
Nossa
reflexão não pretende concentrar-se no conselheiro. Nem no conselho
propriamente dito. Nosso alvo aqui é o hábito de tomar conselhos, de se enriquecer com o máximo de informações e
percepções sobre um assunto antes de uma decisão ou posicionamento requerido. Ora,
se é verdade que na multidão dos
conselhos habita a sabedoria[2],
nada mais natural e preferível, que buscar conselhos, ideias e opiniões, antes
de qualquer juízo. Mas qual é a conexão entre tomar conselho e o exercício de pensar no que pensamos, ou de pensar
no que cremos, ambos tema de nosso último texto aqui no Pensadoria?
Uma
das características mais marcantes da filosofia é o seu método. No esforço
incansável de buscar respostas para suas questões, chegar a uma resposta definitiva
é menos importante que o próprio processo de buscá-la. Sim, pois é exatamente
no exercício da investigação, que arde a chama inextinguível do labor
filosófico. Isso ocorre em grande medida porque a filosofia não trabalha com
verdades absolutas ou acabadas, pois suas afirmações surgem de diferentes e
variadas contribuições e experiências, sempre pretendendo-se à universalidade
das pertinências e aplicabilidades.
Desse
modo, e não havendo por princípio uma verdade absoluta a que alguém possa
chegar por observação particular, a investigação de certas questões sempre
estará à mercê de sucessivos exercícios reciclagem elucubrativa, alternando os
assuntos nos laboratórios da mente, conforme as circunstâncias históricas e
sociais que demandem melhores conclusões, posicionamentos ou orientação do
pensamento e do senso comum.
Esse
perfil da atividade filosófica é milenar. Nas escolas filosóficas da
antiguidade, os alunos eram sempre estimulados por seus mestres a buscar
entendimentos outros, quer contrários ou divergentes. Em vez de ensinar apenas uma
única e absoluta conclusão, os mestres instruíam os discípulos pelo caminho do
pensamento só até um determinado ponto. Daí adiante incentivava-os à autonomia
de raciocínio, para que fossem experimentados na arte da investigação,
suspeitas e conclusões, a partir da problematização proposta. Assim, eram
estimulados a discordar e a criticar as conclusões de seus mestres, trazendo
novas perspectivas, concepções e possibilidades, contribuindo sempre para
compreensões mais assertivas, aceitáveis e satisfatórias.
Ora,
no mundo das ideias[3],
o lugar no tempo não limita e muito menos impede o debate entre os pensadores
de diferentes momentos da história universal. Quer contrariando, quer
corroborando, pensadores se sucedem na tarefa de trazer às suas ágoras[4]
contemporâneas, questões que serão discutidas livremente por diversos
filósofos, quer estejam ou apenas se façam presentes por intermédio de suas
obras, registros ou tradição oral que lhes sejam atribuídas. Temos assim uma
verdadeira academia do pensamento[5],
onde a sociedade pode se aconselhar com as contribuições acumuladas desde eras
remotas, mas que nem por isso inadequadas ou caducas pelo tempo.
Os
conselhos a que me refiro são contrapostos, criticados, discutidos e
comentados. Quer aceitos na íntegra ou em partes, ou mesmo rejeitados por
completo, todos inexoravelmente servirão de parâmetros que orientarão o
pensamento humano pela história, em suas demandas por conhecimento e
direcionamento existencial. A cada fase da história, novos membros se juntarão
a essa academia do pensamento, enriquecendo todo e qualquer debate e
contribuindo para visões cada vez mais adequadas à contemporaneidade do debate
mais recente.
Não
obstante a costumeira demonização da atividade pensante no que se refere à
investigação das razões de nossa fé, penso mesmo que na multidão dos conselhos habita a sabedoria. Ou seja, quanto mais
rodeado de conselhos, quanto mais enriquecido pela atividade do pensamento
humano, quer para confirmá-lo, quer para rejeitá-lo, tanto mais consistentes
será minha argumentação e conclusão, uma vez que fruto de conclusão robusta,
não oriunda de uma mímica conveniente e oportuna qualquer, mas nascida de
atividade responsável e diligente; a renovação do nosso entendimento, para
entendermos a boa, agradável e perfeita
vontade de Deus[6].
A
essa altura, muitos já devem ter torcido o nariz. Mas haverá até quem rasgue as
próprias vestes. Porque o questionamento, bem como a confrontação de ideias e
visões de mundo, são, em tese, os melhores e mais bem-sucedidos métodos de
aprofundamento do conhecimento, qualquer que seja a disciplina ou ciência na
qual esteja inserido. Inclusive na teologia. Ou não foi assim que avançou a
revelação de Deus ao longo da história da humanidade, mais particularmente na
história de Israel?
O
questionamento das tradições judaicas, bem como a confrontação dos costumes
religiosos de escribas e fariseus, estão espalhados por todo o relato dos Evangelhos.
As ideias convenientemente elaboradas e firmadas sobre o que era religiosidade da
época, davam àquela elite religiosa uma confortável condição de destaque,
concedendo prestígio e acumulando-lhes vantagens oportunas. Mas Jesus lhes
questionava a pertinência dos hábitos e a natureza das intenções. Ele
confrontava repetidamente tanto a superficialidade de seus ritos, quanto a realidade
maliciosa de suas pretensões. Não foi sem motivo que esses profissionais da religião e aproveitadores da boa fé do povo, foram
chamados, sem hesitação, de hipócritas[7]
e de sepulcros caiados[8],
dado o fingimento com que se apresentavam como piedosos e probos religiosos.
Paulo
não agiu muito diferente do Senhor. Toda sua teologia, em flagrante construção
ao longo de suas viagens e traduzidas em suas cartas, é fruto do questionamento
e da confrontação. O embate colocava frente a frente tudo o que até então se
acreditava, e aquilo que se revelava verdadeiro diante de seus sentidos, à
medida que sua experiência de vida regenerada lhe promovia novas percepções
sobre a relação de Deus com a humanidade, em Cristo e pelo Espírito.
Confrontando ideias e questionando a si mesmo, aquele zeloso judeu que
consentiu na morte de Estevão por alegada blasfêmia, e empreendeu viagem para
prender e julgar os seguidores de Jesus, tornou-se o principal expoente de
pregação da salvação, sendo o principal evangelizador entre os gentios, povo de
extenso sincretismo e ideias sobre o divino.
Ora,
é preciso sair do casulo. Abrir os olhos. Tomar conselho com a vida e suas
potencialidades. Rasgar as receitas de existências pré-moldadas e se lançar às
experiências enriquecedoras que a relação com Deus e com as pessoas que nos
cercam são capazes de produzir. Precisamos correr o risco do inédito. Prestar
um culto racional pela transformação da nossa mente. Sim, é na mente que são
produzidas as ideias. É na mente que se armazena o entendimento. Se é verdade
que não cremos por entendemos, é por entendermos que sustentamos e enriquecemos
nossa relação com Deus e somos renovados em nossas inclinações e conduta.
“Um homem sábio é poderoso, e quem possui entendimento potencializa sua força;"
Provérbios 24:5 - KJA
Portanto,
reitero o convite. Leia, ouça, assista, debata, pergunte e questione. Leia
incessantemente sua Bíblia e abra espaço para outras literaturas. Ouça louvores
e adore a Deus com inteireza de coração, mas não deixe de ouvir poesia e cantar
a vida em verso e prosa. Assista na TV seus programas prediletos e não perca a
oportunidade de analisá-los, comentá-los e fazer juízo deles; a ficção ajuda a
debater o mundo real.
O
que entende e conhece, ensine; o que não compreende, questione. Se ainda não
sabe, pergunte. Se não ouviu, peça pra repetir. Examinai tudo[9],
diria Paulo, e tudo é tudo. Retenhamos o que é bom. Mas como reter se não
examinar? Mente vazia, diria minha avó, é oficina... dele. Você sabe quem.
[1]
Um adágio é um provérbio, uma
expressão curta que transmite um conselho ou uma lição moral de forma concisa e
memorável. Geralmente, os adágios são baseados na sabedoria popular e são
transmitidos oralmente de geração em geração. Eles são frequentemente usados
para expressar verdades universais sobre a vida, comportamento humano, ética,
entre outros temas.
[2]
Provérbios 11:14
[3]
O "mundo das ideias" é um conceito filosófico atribuído a Platão, um
dos mais influentes filósofos da Antiga Grécia. Segundo Platão, o mundo das
ideias, ou mundo das formas, é um reino transcendental e eterno, onde residem
as formas perfeitas e imutáveis de todas as coisas que percebemos no mundo
sensível.
No mundo das ideias, as
coisas não são percebidas pelos sentidos ou pela experiência sensorial, mas são
compreendidas pela mente racional. Para Platão, as coisas no mundo sensível são
apenas cópias imperfeitas das formas ideais que existem no mundo das ideias.
Por exemplo, um objeto físico como uma mesa no mundo sensível é uma cópia
imperfeita da forma ideal de "mesa" que existe no mundo das ideias.
Platão acreditava que o
conhecimento verdadeiro só poderia ser alcançado por meio da contemplação das
formas ideais, através do intelecto, e não pela observação empírica do mundo
físico. Essa distinção entre o mundo das ideias e o mundo sensível é
fundamental na filosofia platônica e teve um grande impacto no desenvolvimento
da filosofia ocidental.
[4]
Uma "ágora" era uma praça pública na Grécia Antiga, frequentemente
localizada no centro das cidades, onde os cidadãos se reuniam para realizar
atividades políticas, comerciais, sociais e culturais. Era um espaço fundamental
na vida das cidades-estado gregas, como Atenas.
Na ágora, os cidadãos
discutiam assuntos políticos, participavam de assembleias, votavam em questões
importantes, faziam negócios, assistiam a apresentações teatrais e participavam
de eventos religiosos. Era o centro da vida pública e da democracia direta
grega, onde os cidadãos podiam expressar suas opiniões e influenciar as
decisões da cidade.
O termo "ágora"
também é usado metaforicamente para se referir a qualquer espaço de encontro
público ou debate, onde as pessoas se reúnem para discutir questões importantes
ou participar de atividades comunitárias.
[5]
Uma "academia do pensamento" é uma expressão que geralmente se refere
a um ambiente intelectual onde ocorrem debates, discussões e reflexões sobre
uma variedade de temas, muitas vezes de natureza filosófica, científica,
cultural ou política.
Essas "academias"
podem assumir diferentes formas e contextos. Em um sentido mais amplo, uma
academia do pensamento pode ser uma universidade, instituto de pesquisa, centro
de estudos, ou até mesmo um grupo informal de pessoas que se reúnem para
discutir ideias.
[6]
Romanos 12:2
[7]
Jesus chama os fariseus de hipócritas em várias passagens nos Evangelhos. Aqui
estão algumas referências:
1.
Mateus 23:13: "Ai de vós, escribas e
fariseus, hipócritas! Porque fechais aos homens o reino dos céus; e nem vós
entrais nem deixais entrar aos que estão entrando."
2.
Mateus 23:14: "Ai de vós, escribas e
fariseus, hipócritas! Pois que devorais as casas das viúvas, sob pretexto de
prolongadas orações; por isso sofrereis mais rigoroso juízo."
3.
Mateus 23:15: "Ai de vós, escribas e
fariseus, hipócritas! Pois que percorreis o mar e a terra para fazer um
prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes
mais do que vós."
4.
Mateus 23:23: "Ai de vós, escribas e
fariseus, hipócritas! Pois que dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho,
e tendes omitido o que há de mais importante na lei, a saber, a justiça, a
misericórdia e a fé; estas coisas, porém, devíeis fazer, sem omitir
aquelas."
5.
Mateus 23:25: "Ai de vós, escribas e
fariseus, hipócritas! Pois que limpais o exterior do copo e do prato, mas o
interior está cheio de rapina e de iniqüidade."
6.
Mateus 23:27-28: "Ai de vós, escribas e
fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por
fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de
mortos e de toda a imundícia. Assim também vós exteriormente pareceis justos
aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade."
[8]
Mateus 23:27-28
[9]
1 Tessalonicenses 5:21
Muito bom Jansen!
ResponderExcluirEstava pensando a respeito disso esses dias... E esta frase resumiu exatamente o que eu estava sentindo: É na multidão dos conselhos que habita a sabedoria!
Como tomar uma posição, sem conhecer as demais possibilidades e os caminhos do pensamento?
Parabéns!
Oi Julliana!! Que alegria saber de você. E maior alegria ainda vendo seu comentário. É um incentivo e tanto, e sendo de amigo vale por dois...
ExcluirÉ isso, aconselhar-se é um excelente exercício. Melhor ainda é ter 'bons' conselheiros. Que dentre tantos e bons conselhos, Deus seja o seu maior e melhor conselheiro.
Obrigado pelo carinho.
Um forte abraço...